Thursday 23 July 2009

BREVES NOTAS SOBRE O DISCURSO DE OBAMA NO GHANA


Foi-me bastante reconfortante ler o discurso do Presidente Americano, Barack Obama, dirigido aos Africanos, durante a sua primeira visita de estado a Africa Subsahariana, a semana passada no Ghana (aqui).

1. Tendo afirmado (aqui), aquando da celebracao da sua historica vitoria eleitoral, em Novembro ultimo, “evidentemente que, como Presidente dos EUA, ele sera’ sempre em primeiro lugar um Americano, esperando-se que sirva a politica externa do seu pais, mas tenho fe’ em que, como Presidente, Obama tera’ uma sensibilidade impar no seu relacionamento com Africa que espero se venha a reflectir nas relacoes diplomaticas, politicas e mesmo economicas dos EUA com o nosso continente”, foi-me especialmente gratificante tomar nota da forma como - interligando a experiencia historica de Africa nos ultimos 50 anos com a da sua propria familia Queniana, em particular do seu pai e do seu avo -, nao so' imprimiu ao seu discurso um tom de matriz marcadamente Africana, como tambem enunciou uma postura e, sobretudo, uma politica Americana para Africa marcadamente distinta das de anteriores Administracoes do seu pais. Fe-lo, nomeadamente, em afirmacoes como estas:

No que respeita à América e aos países ocidentais, o nosso envolvimento deve ser medido por mais do que apenas os dólares que gastamos. Comprometi aumentos substanciais em ajuda a países estrangeiros, o que vai de encontro aos interesses de África e aos interesses da América. Mas o verdadeiro sinal de sucesso não é se somos uma eterna fonte de ajuda que permite a mera sobrevivência das pessoas - é se somos realmente parceiros no desenvolvimento de capacidades que possibilitem a implementação de uma mudança transformadora.

A América não procurará impor qualquer sistema de governo a qualquer outra nação. A verdade essencial da democracia é que cada nação determina o seu próprio destino. Mas o que a América fará é aumentar a ajuda a indivíduos responsáveis e instituições responsáveis e o nosso foco é o apoio à boa governação – aos parlamentos, que fazem frente aos abusos de poder e asseguram que as vozes da oposição sejam ouvidas; ao Estado de direito, que assegura uma administração de justiça igualitária; à participação cívica, de forma a que os jovens participem; e a soluções concretas que contrariam a corrupção, como a contabilidade forense e a informatização dos serviços, o reforço de linhas directas (hotlines) e a protecção de delatores, de modo a promover a transparência e a responsabilização.

No Gana, por exemplo, o petróleo traz grandes oportunidades e o povo do Gana tem sido muito responsável na sua preparação para as novas receitas. Mas como muitos ganenses bem sabem, o petróleo não pode simplesmente transformar-se no novo cacau. Da Coreia do Sul a Singapura, a história mostra que os países se desenvolvem quando investem no seu povo e na sua infra-estrutura ; quando promovem múltiplas indústrias de exportação e desenvolvem uma mão-de-obra especializada e quando criam espaço para pequenas e médias empresas criadoras de emprego. À medida que os africanos tentam realizar este potencial, a América estenderá a mão de uma forma mais responsável. Reduzindo os custos que acabam nas mãos de consultores e administradores, queremos colocar mais recursos nas mãos daqueles que precisam deles, formando-os simultaneamente para serem mais auto-suficientes.

(…) A ajuda não é um fim em si mesmo. O objectivo da ajuda estrangeira deverá ser a criação de condições que levem a que esta deixe de ser necessária. Quero ver os ganenses tornar-se não só auto-suficientes em termos de alimentação; quero ver-vos a exportar produtos alimentares para outros países e a ganhar dinheiro. Vocês são capazes. (Aplauso.) Por outro lado, a América também pode ser mais activa na promoção do comércio e do investimento. As nações ricas devem, de uma forma mais significativa, abrir as portas aos produtos e serviços provenientes de África. Esta administração empenhar-se-á nisso. (…) Isto vem também ao encontro dos nossos interesses – pois se as pessoas conseguirem sair da situação de pobreza e criar riqueza em África, sabem o que acontece? Abrem-se novos mercados para os nossos produtos. Portanto é bom para ambos.

2. E’ possivel, por essas passagens, descortinar uma linha programatica que vai ao encontro das preocupacoes que enunciei ha’ algum tempo, em particular, sobre a nao imposicao de sistemas politicos (ou "regime change") a terceiros paises (aqui), o futuro da ajuda ao desenvolvimento (aqui), e tambem sobre a necessidade de estimulacao da economia real e de diversificacao da base economica para la’ da exploracao petrolifera (aqui e aqui). Mas, uma parte do seu discurso que me pareceu particularmente importante, por abordar de forma directa a interrogacao sobre a possibilidade de um desenvolvimento sustentavel global, sobre a qual me debrucei, ja’ la’ vao uns bons sete anos (aqui), foi a seguinte:

Um sector que implica um perigo inegável ao mesmo tempo que oferece uma extraordinária promessa é o da energia. A África produz menos gases de estufa do que qualquer outra região do mundo mas é o continente mais ameaçado pelas mudanças climáticas. O aquecimento do planeta levará ao alastrar de doenças, à diminuição de recursos hídricos e à fragilização das colheitas, criando condições que produzem mais fome e mais conflito.

Todos nós - em particular o mundo desenvolvido - temos a responsabilidade de reduzir o ritmo destas tendências – quer através de uma diminuição, quer de uma mudança, no que respeita à utilização de energia. Mas também podemos cooperar com os africanos com vista a transformar esta crise numa oportunidade. Juntos podemos colaborar em prol do nosso planeta e da prosperidade, bem como ajudar países a aumentar o acesso à energia evitando, saltando sobre a fase mais suja do desenvolvimento.


(…) Estes passos implicam mais do que simples números de crescimento num balanço financeiro. Determinam se um jovem com formação consegue um emprego que lhe permita sustentar a família; se um agricultor pode transportar os seus produtos para o mercado; ou se um empresário que tem uma boa ideia pode formar uma empresa. Têm a ver com a dignidade do trabalho. Têm a ver com a oportunidade que deve existir para os africanos do séc. XXI.

3. Efectivamente, mais do que uma questao normativa ("Ambiente vs. Pobreza"), aquele meu artigo continha uma preocupacao prescritiva que encontra amplo eco neste discurso de Obama, o qual se funda basilarmente no papel crucial das instituicoes no processo de desenvolvimento: “No séc. XXI”, afirmou, “a chave do sucesso são as instituições competentes, fiáveis e transparentes.” Foi essa tambem a ideia central que deixei expressa, em particular, nestas passagens daquele artigo:

"(...) Tais resultados são possíveis por via de uma distribuição eficiente dos activos nacionais e dos custos e benefícios da política económica, com base em regras e instituições competentes e apropriadas para endereçarem problemas ambientais, sociais e económicos como um todo e, assim, minimizarem a probabilidade de ocorrência de conflitos nacionais. Nessas condições, a economia de mercado poderá gerar preços, termos de troca e distribuições de rendimento capazes de diminuirem drásticamente os actuais níveis de pobreza, sem distorcerem a economia global.

Essa emergente ortodoxia, que advoga que uma apropriada distribuição de activos pode levar a um crescimento económico mais inclusivo e sustentável, não é baseada necessáriamente em princípios redistributivos neo-Marxistas, mas na chamada Nova Economia Institucional que, com base em princípios de escolha racional, reconhece que empobrecer os ricos não leva necessáriamente ao enriquecimento dos pobres e que os activos de uma sociedade incluem (mais do que apenas terra, trabalho e capital) as instituições, culturas e direitos de propriedade, tanto transnacionais como estatais e tradicionais, os sistemas legais e a transparência, confiança e credibilidade a eles associadas. Mudança institucional, democracia e reforma governativa emergem, assim, como objectivos intermédios cruciais nos processos de erradicação da pobreza extrema e integração económica internacional, que poderão levar a uma melhor gestão dos recursos naturais globais.

Apesar dos conflitos de interesses ainda prevalecentes entre o Norte e o Sul, espera-se que a recente ‘Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável’ tenha pelo menos facilitado a obtenção de um consenso generalizado que possibilite o equilíbrio entre consumo sustentável no Norte e crescimento sustentável no Sul, por forma a que a observação de pássaros por famílias saudáveis e com emprego estável, particularmente em África, seja possível num horizonte temporal não muito longínquo."

4. De notar tambem, as referencias de Obama aos desafios que se colocam ao sector de saude publica em Africa, que ainda muito recentemente abordei (aqui), com especial atencao para a sangria de quadros daquele sector, em favor de alguns paises do ocidente:

Tal como a governação é um elemento vital para a oportunidade, também é crucial para o terceiro tema de que quero agora falar – o reforço da saúde pública. Nestes últimos anos houve um enorme progresso em certas regiões de África. Tem vindo a crescer o número de pessoas que têm uma vida produtiva apesar de sofrerem de VIH-SIDA e que obtêm os medicamentos de que necessitam. Acabei de visitar uma clínica e um hospital maravilhosos dedicados sobretudo à saúde materna. Mas ainda há demasiadas pessoas que morrem de doenças que já não deviam matá-las. Quando há crianças que morrem devido a uma picada de mosquito, e mães que morrem durante o parto, sabemos que há ainda mais progresso a realizar.

No entanto, devido aos incentivos - frequentemente oriundos de nações doadoras - demasiados médicos e enfermeiras de África vão para o estrangeiro, o que é compreensível, ou trabalham para programas centrados numa única doença. Este facto cria falhas nos cuidados primários e na prevenção básica.


5. Tendo anotado os meus principais pontos de convergencia, nao posso deixar igualmente de mencionar um ponto de discordancia que me foi sugerido pela seguinte passagem do discurso:

Em muitos locais, a esperança sentida pela geração do meu pai deu lugar ao cinismo e, mesmo, ao desespero. É fácil apontar o dedo e atribuir a culpa por estes problemas aos outros. Sim, um mapa colonial que fazia pouco sentido contribuiu para gerar conflitos. O Ocidente tem muitas vezes tratado África com paternalismo, ou como fonte de recursos, e não como parceiro. Mas o Ocidente não é responsável pela destruição da economia do Zimbabué na última década, nem pelas guerras em que crianças são utilizadas como combatentes. Durante a vida do meu pai, foram em parte o tribalismo, o favoritismo e o nepotismo num Quénia independente que durante muito tempo destruíram a sua carreira, e sabemos que este tipo de corrupção é ainda hoje um facto corrente da vida diária de demasiadas pessoas.

Como deixei expresso noutras ocasioes (aqui), nao concordo inteiramente com a afirmacao de que "o ocidente nao e' responsavel pela destruicao da economia do Zimbabwe na ultima decada." Eu diria, antes, que "nao e' exclusivamente responsavel", mas teve tambem a sua quota-parte de responsabilidade naquela catastrofe. E, nesse aspecto, reafirmo a minha concordancia com os pontos de vista, entre outros, de Mahmood Mandani (aqui).

Mas, aparte essa divergencia, concordo com todo o resto dessa passagem e, em particular, com a capacidade de praticas como tribalismo, favoritismo e nepotismo destruirem carreiras e a facilidade com que o fazem em Africa ... Faltou apenas acrescentar a lista de misdeeds da Africa independente o machismo, a misoginia, a venalidade, a irresponsabilidade, o revanchismo, o caciquismo, o elitismo e o racismo (em particular o invertido), entre tantas outras taras que, infelizmente, ainda grassam alegre, leviana e impunemente em paises como Angola (aqui e aqui).

6. Finalmente, nao me poderia, absolutamente, passar despercebida a mencao que fez ao caso do Botswana (ao qual me referia, por exemplo, aqui) e a responsabilidade dos Africanos na construcao do seu proprio futuro:

Mas, em última análise, serão as democracias sólidas, como o Botswana e o Gana, que reduzirão as causas de conflitos e farão avançar as fronteiras da paz e da prosperidade. Como afirmei há pouco, o futuro de África depende dos africanos. Os povos de África estão prontos a reivindicar esse futuro. E no meu país, os afro-americanos – entre estes muitos imigrantes recentes – têm tido sucesso em todos os sectores da sociedade. Fizemo-lo apesar de um difícil passado e fomos buscar forças à nossa herança africana. Sei que com instituições sólidas e uma grande determinação os africanos podem viver os seus sonhos em Nairóbi e Lagos, Kigali, Kinshasa, Harare e aqui mesmo em Acra.

(…) Mas tudo isso só poderá ser feito se todos assumirem a responsabilidade pelo vosso futuro. Não será uma tarefa fácil. Exigirá tempo e esforço. Haverá sofrimento e contrariedades. Mas posso prometer-vos o seguinte: a América estará do vosso lado em cada etapa - como um parceiro, como um amigo. No entanto, a oportunidade não virá de nenhum outro lugar – terá que originar das decisões que todos vós tomarem, daquilo que realizarem e da esperança que existe nos vossos corações.

Mas… tendo o censo comum por adquirido que "das palavras aos actos vai uma grande distancia”, poem-se-nos, inevitavelmente, as questoes: “Poderemos, como Africanos, acreditar efectivamente num futuro melhor para as relacoes do nosso continente com uma America sob a Administracao Obama?"; "Poderemos, como Africanos, ter fe' em nos proprios e na nossa capacidade de equacionar um futuro melhor para o nosso continente?"

Embora nao esteja muito segura disso no caso especifico de Angola, eu responderia a ambas: Yes, We Can!


[Echoed here]

Foi-me bastante reconfortante ler o discurso do Presidente Americano, Barack Obama, dirigido aos Africanos, durante a sua primeira visita de estado a Africa Subsahariana, a semana passada no Ghana (aqui).

1. Tendo afirmado (aqui), aquando da celebracao da sua historica vitoria eleitoral, em Novembro ultimo, “evidentemente que, como Presidente dos EUA, ele sera’ sempre em primeiro lugar um Americano, esperando-se que sirva a politica externa do seu pais, mas tenho fe’ em que, como Presidente, Obama tera’ uma sensibilidade impar no seu relacionamento com Africa que espero se venha a reflectir nas relacoes diplomaticas, politicas e mesmo economicas dos EUA com o nosso continente”, foi-me especialmente gratificante tomar nota da forma como - interligando a experiencia historica de Africa nos ultimos 50 anos com a da sua propria familia Queniana, em particular do seu pai e do seu avo -, nao so' imprimiu ao seu discurso um tom de matriz marcadamente Africana, como tambem enunciou uma postura e, sobretudo, uma politica Americana para Africa marcadamente distinta das de anteriores Administracoes do seu pais. Fe-lo, nomeadamente, em afirmacoes como estas:

No que respeita à América e aos países ocidentais, o nosso envolvimento deve ser medido por mais do que apenas os dólares que gastamos. Comprometi aumentos substanciais em ajuda a países estrangeiros, o que vai de encontro aos interesses de África e aos interesses da América. Mas o verdadeiro sinal de sucesso não é se somos uma eterna fonte de ajuda que permite a mera sobrevivência das pessoas - é se somos realmente parceiros no desenvolvimento de capacidades que possibilitem a implementação de uma mudança transformadora.

A América não procurará impor qualquer sistema de governo a qualquer outra nação. A verdade essencial da democracia é que cada nação determina o seu próprio destino. Mas o que a América fará é aumentar a ajuda a indivíduos responsáveis e instituições responsáveis e o nosso foco é o apoio à boa governação – aos parlamentos, que fazem frente aos abusos de poder e asseguram que as vozes da oposição sejam ouvidas; ao Estado de direito, que assegura uma administração de justiça igualitária; à participação cívica, de forma a que os jovens participem; e a soluções concretas que contrariam a corrupção, como a contabilidade forense e a informatização dos serviços, o reforço de linhas directas (hotlines) e a protecção de delatores, de modo a promover a transparência e a responsabilização.

No Gana, por exemplo, o petróleo traz grandes oportunidades e o povo do Gana tem sido muito responsável na sua preparação para as novas receitas. Mas como muitos ganenses bem sabem, o petróleo não pode simplesmente transformar-se no novo cacau. Da Coreia do Sul a Singapura, a história mostra que os países se desenvolvem quando investem no seu povo e na sua infra-estrutura ; quando promovem múltiplas indústrias de exportação e desenvolvem uma mão-de-obra especializada e quando criam espaço para pequenas e médias empresas criadoras de emprego. À medida que os africanos tentam realizar este potencial, a América estenderá a mão de uma forma mais responsável. Reduzindo os custos que acabam nas mãos de consultores e administradores, queremos colocar mais recursos nas mãos daqueles que precisam deles, formando-os simultaneamente para serem mais auto-suficientes.

(…) A ajuda não é um fim em si mesmo. O objectivo da ajuda estrangeira deverá ser a criação de condições que levem a que esta deixe de ser necessária. Quero ver os ganenses tornar-se não só auto-suficientes em termos de alimentação; quero ver-vos a exportar produtos alimentares para outros países e a ganhar dinheiro. Vocês são capazes. (Aplauso.) Por outro lado, a América também pode ser mais activa na promoção do comércio e do investimento. As nações ricas devem, de uma forma mais significativa, abrir as portas aos produtos e serviços provenientes de África. Esta administração empenhar-se-á nisso. (…) Isto vem também ao encontro dos nossos interesses – pois se as pessoas conseguirem sair da situação de pobreza e criar riqueza em África, sabem o que acontece? Abrem-se novos mercados para os nossos produtos. Portanto é bom para ambos.

2. E’ possivel, por essas passagens, descortinar uma linha programatica que vai ao encontro das preocupacoes que enunciei ha’ algum tempo, em particular, sobre a nao imposicao de sistemas politicos (ou "regime change") a terceiros paises (aqui), o futuro da ajuda ao desenvolvimento (aqui), e tambem sobre a necessidade de estimulacao da economia real e de diversificacao da base economica para la’ da exploracao petrolifera (aqui e aqui). Mas, uma parte do seu discurso que me pareceu particularmente importante, por abordar de forma directa a interrogacao sobre a possibilidade de um desenvolvimento sustentavel global, sobre a qual me debrucei, ja’ la’ vao uns bons sete anos (aqui), foi a seguinte:

Um sector que implica um perigo inegável ao mesmo tempo que oferece uma extraordinária promessa é o da energia. A África produz menos gases de estufa do que qualquer outra região do mundo mas é o continente mais ameaçado pelas mudanças climáticas. O aquecimento do planeta levará ao alastrar de doenças, à diminuição de recursos hídricos e à fragilização das colheitas, criando condições que produzem mais fome e mais conflito.

Todos nós - em particular o mundo desenvolvido - temos a responsabilidade de reduzir o ritmo destas tendências – quer através de uma diminuição, quer de uma mudança, no que respeita à utilização de energia. Mas também podemos cooperar com os africanos com vista a transformar esta crise numa oportunidade. Juntos podemos colaborar em prol do nosso planeta e da prosperidade, bem como ajudar países a aumentar o acesso à energia evitando, saltando sobre a fase mais suja do desenvolvimento.


(…) Estes passos implicam mais do que simples números de crescimento num balanço financeiro. Determinam se um jovem com formação consegue um emprego que lhe permita sustentar a família; se um agricultor pode transportar os seus produtos para o mercado; ou se um empresário que tem uma boa ideia pode formar uma empresa. Têm a ver com a dignidade do trabalho. Têm a ver com a oportunidade que deve existir para os africanos do séc. XXI.

3. Efectivamente, mais do que uma questao normativa ("Ambiente vs. Pobreza"), aquele meu artigo continha uma preocupacao prescritiva que encontra amplo eco neste discurso de Obama, o qual se funda basilarmente no papel crucial das instituicoes no processo de desenvolvimento: “No séc. XXI”, afirmou, “a chave do sucesso são as instituições competentes, fiáveis e transparentes.” Foi essa tambem a ideia central que deixei expressa, em particular, nestas passagens daquele artigo:

"(...) Tais resultados são possíveis por via de uma distribuição eficiente dos activos nacionais e dos custos e benefícios da política económica, com base em regras e instituições competentes e apropriadas para endereçarem problemas ambientais, sociais e económicos como um todo e, assim, minimizarem a probabilidade de ocorrência de conflitos nacionais. Nessas condições, a economia de mercado poderá gerar preços, termos de troca e distribuições de rendimento capazes de diminuirem drásticamente os actuais níveis de pobreza, sem distorcerem a economia global.

Essa emergente ortodoxia, que advoga que uma apropriada distribuição de activos pode levar a um crescimento económico mais inclusivo e sustentável, não é baseada necessáriamente em princípios redistributivos neo-Marxistas, mas na chamada Nova Economia Institucional que, com base em princípios de escolha racional, reconhece que empobrecer os ricos não leva necessáriamente ao enriquecimento dos pobres e que os activos de uma sociedade incluem (mais do que apenas terra, trabalho e capital) as instituições, culturas e direitos de propriedade, tanto transnacionais como estatais e tradicionais, os sistemas legais e a transparência, confiança e credibilidade a eles associadas. Mudança institucional, democracia e reforma governativa emergem, assim, como objectivos intermédios cruciais nos processos de erradicação da pobreza extrema e integração económica internacional, que poderão levar a uma melhor gestão dos recursos naturais globais.

Apesar dos conflitos de interesses ainda prevalecentes entre o Norte e o Sul, espera-se que a recente ‘Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável’ tenha pelo menos facilitado a obtenção de um consenso generalizado que possibilite o equilíbrio entre consumo sustentável no Norte e crescimento sustentável no Sul, por forma a que a observação de pássaros por famílias saudáveis e com emprego estável, particularmente em África, seja possível num horizonte temporal não muito longínquo."

4. De notar tambem, as referencias de Obama aos desafios que se colocam ao sector de saude publica em Africa, que ainda muito recentemente abordei (aqui), com especial atencao para a sangria de quadros daquele sector, em favor de alguns paises do ocidente:

Tal como a governação é um elemento vital para a oportunidade, também é crucial para o terceiro tema de que quero agora falar – o reforço da saúde pública. Nestes últimos anos houve um enorme progresso em certas regiões de África. Tem vindo a crescer o número de pessoas que têm uma vida produtiva apesar de sofrerem de VIH-SIDA e que obtêm os medicamentos de que necessitam. Acabei de visitar uma clínica e um hospital maravilhosos dedicados sobretudo à saúde materna. Mas ainda há demasiadas pessoas que morrem de doenças que já não deviam matá-las. Quando há crianças que morrem devido a uma picada de mosquito, e mães que morrem durante o parto, sabemos que há ainda mais progresso a realizar.

No entanto, devido aos incentivos - frequentemente oriundos de nações doadoras - demasiados médicos e enfermeiras de África vão para o estrangeiro, o que é compreensível, ou trabalham para programas centrados numa única doença. Este facto cria falhas nos cuidados primários e na prevenção básica.


5. Tendo anotado os meus principais pontos de convergencia, nao posso deixar igualmente de mencionar um ponto de discordancia que me foi sugerido pela seguinte passagem do discurso:

Em muitos locais, a esperança sentida pela geração do meu pai deu lugar ao cinismo e, mesmo, ao desespero. É fácil apontar o dedo e atribuir a culpa por estes problemas aos outros. Sim, um mapa colonial que fazia pouco sentido contribuiu para gerar conflitos. O Ocidente tem muitas vezes tratado África com paternalismo, ou como fonte de recursos, e não como parceiro. Mas o Ocidente não é responsável pela destruição da economia do Zimbabué na última década, nem pelas guerras em que crianças são utilizadas como combatentes. Durante a vida do meu pai, foram em parte o tribalismo, o favoritismo e o nepotismo num Quénia independente que durante muito tempo destruíram a sua carreira, e sabemos que este tipo de corrupção é ainda hoje um facto corrente da vida diária de demasiadas pessoas.

Como deixei expresso noutras ocasioes (aqui), nao concordo inteiramente com a afirmacao de que "o ocidente nao e' responsavel pela destruicao da economia do Zimbabwe na ultima decada." Eu diria, antes, que "nao e' exclusivamente responsavel", mas teve tambem a sua quota-parte de responsabilidade naquela catastrofe. E, nesse aspecto, reafirmo a minha concordancia com os pontos de vista, entre outros, de Mahmood Mandani (aqui).

Mas, aparte essa divergencia, concordo com todo o resto dessa passagem e, em particular, com a capacidade de praticas como tribalismo, favoritismo e nepotismo destruirem carreiras e a facilidade com que o fazem em Africa ... Faltou apenas acrescentar a lista de misdeeds da Africa independente o machismo, a misoginia, a venalidade, a irresponsabilidade, o revanchismo, o caciquismo, o elitismo e o racismo (em particular o invertido), entre tantas outras taras que, infelizmente, ainda grassam alegre, leviana e impunemente em paises como Angola (aqui e aqui).

6. Finalmente, nao me poderia, absolutamente, passar despercebida a mencao que fez ao caso do Botswana (ao qual me referia, por exemplo, aqui) e a responsabilidade dos Africanos na construcao do seu proprio futuro:

Mas, em última análise, serão as democracias sólidas, como o Botswana e o Gana, que reduzirão as causas de conflitos e farão avançar as fronteiras da paz e da prosperidade. Como afirmei há pouco, o futuro de África depende dos africanos. Os povos de África estão prontos a reivindicar esse futuro. E no meu país, os afro-americanos – entre estes muitos imigrantes recentes – têm tido sucesso em todos os sectores da sociedade. Fizemo-lo apesar de um difícil passado e fomos buscar forças à nossa herança africana. Sei que com instituições sólidas e uma grande determinação os africanos podem viver os seus sonhos em Nairóbi e Lagos, Kigali, Kinshasa, Harare e aqui mesmo em Acra.

(…) Mas tudo isso só poderá ser feito se todos assumirem a responsabilidade pelo vosso futuro. Não será uma tarefa fácil. Exigirá tempo e esforço. Haverá sofrimento e contrariedades. Mas posso prometer-vos o seguinte: a América estará do vosso lado em cada etapa - como um parceiro, como um amigo. No entanto, a oportunidade não virá de nenhum outro lugar – terá que originar das decisões que todos vós tomarem, daquilo que realizarem e da esperança que existe nos vossos corações.

Mas… tendo o censo comum por adquirido que "das palavras aos actos vai uma grande distancia”, poem-se-nos, inevitavelmente, as questoes: “Poderemos, como Africanos, acreditar efectivamente num futuro melhor para as relacoes do nosso continente com uma America sob a Administracao Obama?"; "Poderemos, como Africanos, ter fe' em nos proprios e na nossa capacidade de equacionar um futuro melhor para o nosso continente?"

Embora nao esteja muito segura disso no caso especifico de Angola, eu responderia a ambas: Yes, We Can!


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