Thursday 22 September 2011

Revisitando a SADC (Conclusao)





[Continuacao daqui]

Detenhamos-nos um pouco sobre a CNUCED. Esta organizacao, mais do que a OMC, ao contrario do que parece ser o entendimento de muitos, tem sido a maior promotora de iniciativas de desenvolvimento economico atraves do comercio regional e internacional, por intermedio do apoio tecnico e institucional que concede aos governos e organizacoes inter-governamentais que, como a SADC, perseguem esse objectivo. “Mais do que a OMC”, disse justamente: porque, tal como o FMI e o Banco Mundial o sao da economia monetaria e financeira internacional, a OMC e’ uma organizacao reguladora do comercio internacional, o que nao e’ estritamente a vocacao da CNUCED.

Detenhamo-nos tambem um pouco sobre a OMC. Esta organizacao, se entregue aos seus own devices pode, efectivamente, em certas circunstancias e contextos bem determinados e, especialmente naqueles em que os Paises Menos Desenvolvidos (PMD) se demonstram mais vulneraveis, agir como um “bicho papao”... e e’ precisamente por isso que varios projectos de apoio tecnico e de criacao e desenvolvimento de capacidade (capacity building) institucional, organizativa e de negociacao, em alguns dos quais estive envolvida, como aqui referi, se teem criado e se venhem tentando implementar na Africa Austral e noutras regioes do continente Africano e do chamado Global South (formerly better known as “Terceiro Mundo”).

Servem tais projectos, entre outros objectivos, justamente para fazerem os estudos de viabilidade tecnica, em particular das infrastructuras [*] existentes, ou a (re)construir e desenvolver, a par dos estudos de identificacao das vantagens absolutas e comparativas reais e potenciais, que sirvam de suporte a adopcao de politicas comerciais e industriais por parte dos paises abrangidos, que sejam adequadas nao apenas aos objectivos de desenvolvimento regional, mas tambem aos objectivos politico-economicos nacionais - como aqui o ilustro.

Mais servem esses projectos (... ou pelo menos aqueles em que estive envolvida...) para empreenderem o estudo dos quadros e instrumentos institucionais, legais, normativos e reguladores no dominio do comercio e da industria dos paises alvo e advogarem as necessarias medidas para o seu fortalecimento e adequacao as regulacoes da OMC la' onde elas sejam incontornaveis e ate' desejaveis para todos (caso dos standards sanitarios e fitosanitarios e de higiene alimentar, por exemplo, incidindo sobre os produtos de origem agricola, piscicola e pecuaria que constituem o grosso da producao e do comercio dos paises Africanos) e, tanto quanto possivel, submetendo-as aos seus proprios interesses nacionais, nos casos em que tais regulacoes se demonstrem apenas do interesse dos paises mais desenvolvidos - como aqui o ilustro.

E tais projectos destinam-se precisamente a criar um ambiente de proteccao desses paises e das suas politicas comerciais, industriais e economicas em geral das estrategias dos “bichos papoes” que dominam a OMC e que, tanto a nivel regional, como continental e internacional, tendem a constrangi-los e a submete-los aos seus ditames!

Seus ditames? Sim! Eles ditam, dominam e manipulam as "regras do jogo" do comercio internacional – nao e’ segredo nenhum para ninguem, dir-se-ha’ porventura... Mas, o que recolho das 'atoardas' com que nao raro me vejo bombardeada, e’ o que parece ser ainda desconhecido de muitos: nomeadamente, que todos os membros da ONU sao, ou podem ser, membros da OMC, tal como o sao, ou podem ser, do BM e do FMI e que o seu bargaining power nessas instituicoes, e na OMC mais do que nas outras, depende crucialmente das aliancas e coligacoes que entre si sejam capazes de forjar.

E essas aliancas, que se teem que fundar institucionalmente, em primeiro lugar, nas organizacoes regionais como a SADC, passam pela criacao de pelo menos tres pre-requisitos fundamentais: 1. vontade e determinacao politica; 2. capacidade tecnica; 3. capacidade negocial. E, sendo certo que a existencia de tais organizacoes e de instrumentos de politica como o Protocolo de Comercio da SADC de per se parecem indiciar a existencia do primeiro pre-requisito, ja’ os outros dois sao virtualmente inexistentes.




Por essa razao, varios grupos e sub-grupos de paises se teem organizado no seio da OMC e venhem forjando aliancas politico-reivindicativas cujo maior achievement ate’ ao momento foi a inclusao na agenda de Doha do objectivo “capacity building” para a obtencao do apoio por parte da propria OMC ao preenchimento dos pre-requisitos 2. e 3., sem o que o chamado Global South se reserva o direito de oferecer resistencia 'a implementacao das suas politicas e regulamentos, particularmente no sector dos servicos.

E apenas para ilustrar a importancia vital, premencia e urgencia do objectivo capacity building, referirei apenas este facto: na regiao da Africa Austral, no periodo, nao assim tao recuado, em que estive envolvida nesse tipo de projectos no terreno, contavam-se apenas, se tanto, cerca de meia duzia de profissionais nacionais dos paises membros da SADC [**] com alguma familiaridade quer com a teoria e a pratica da Economia e Comercio Internacional e da Integracao Economica Regional, quer com o funcionamento e estrategias negociais no quadro da OMC, sendo eu dentre eles - ... e, malgre' todas as maliciosas “reticencias” a minha nacionalidade com que la’ me vi confrontada por parte de alguns “representantes” do “meu pais” (como AQUI se pode constatar...), e nisso o meu amigo Angelo Mondlane , entao Chefe Economista da SADC e pessoa que muito estimo, que uma vez me disse "tu es a pessoa melhor qualificada que nos temos aqui", nao me deixara' mentir!... - [***] a unica com formacao academica especifica nessas areas, acrescida de especializacao na Historia Economica da regiao, obtida neste Departamento da LSE , no qual fui apenas a terceira Africana a ser admitida desde a sua fundacao! Os outros dois eram Eritreus. E fi-lo suportando os seus altos custos financeiros inteiramente por minha conta propria!...

Todos os outros eram nacionais de paises ocidentais, ou seja, dos tais "bichos papoes" da OMC! (... era um pouco sobre essa realidade que aqui trocava algumas ideias com alguns Africanos que "sabem do que falam") ... E por isso, em pelo menos duas ocasioes memoraveis me encontrei em rota de colisao e mesmo de ruptura com alguns deles directamente e, indirectamente, com as suas respectivas agencias de desenvolvimento - era dessas, entre outras situacoes, que se referia aqui alguem quando dizia "(...) She is also someone who stands firm in her beliefs and will speak her mind without fear" ... e era tambem disso que eu falava aqui, quando dizia que "e… por isso tenho pago (muito!) alto o preco!"...

E se essa e' a realidade na Africa Austral que, realisticamente falando, pode ser considerada "a mais desenvolvida" em termos de diversificacao economica e de fluxos/influxos comerciais e de recursos humanos e financeiros na Africa Sub-Sahariana, o que dizer das outras sub-regioes do continente?! ... E, a este respeito, nao sera' de todo inoportuno relembrar, nao sem uma certa amarga ironia, como, ainda muito recentemente, aqui se dizia que "... podemos importar, com facilidade, o “know-how” de África que nos falta"!...

Terminaria, portanto, com este 'statement' sobre o qual cada vez tenho menos duvidas: so' me parecem haver duas alternativas 'a OMC:

i) a sua extincao e o regresso ao 'unilateralismo' no comercio internacional, como aqui propunha o candidato (derrotado) a Presidencia dos EUA, Dennis Kucinich. Esta nao me parece, no entanto, ser uma opcao viavel, credivel nem recomendavel, por varias razoes, dentre as quais destacaria o inevitavel regresso ao 'mercantilismo puro e duro' ou, no limite, simplesmente a 'autarcia', pelo menos em alguns casos, sendo certo que estes se verificariam maioritariamente no Global South;

ii) um maior engajamento e compromisso dos paises do Global South nos processos de integracao economica regional, no fomento do comercio intra e inter-regional e na criacao e desenvolvimento das suas capacidades tecnicas e negociais a todos os niveis, por forma a servir-se efectivamente o objectivo ultimo de colocar o comercio internacional ao servico do desenvolvimento economico, social e humano, tanto em Africa como no resto do Global South e do mundo em geral.




[*] Sendo que as infrastruturas em questao no dominio do comercio internacional nao sao apenas as fisicas (estradas, pontes, linhas ferreas, portos, redes de telecomunicacoes, etc.), mas tambem, e sobretudo, as tecnicas. Isto porque e' consensual que as barreiras mais detrimentais a entrada nos mercados internacionais para os PMD sao as chamadas barreiras nao quantitativas, ou barreiras tecnicas ao comercio, que os paises mais fortes na OMC teem sido capazes de adoptar e implementar em seu favor atraves de instrumentos como as regras de origem, cumulacao, valor acrescentado e clausulas de salvaguarda, ou da estruturacao das pautas aduaneiras, apenas para citar as mais comuns.

Portanto, nao pretendendo de modo nenhum subestimar a importancia crucial das infrastruturas fisicas, o facto e' que por melhores que estas sejam, nao ha' comercio internacional que resista a tais barreiras tecnicas.

E e' este o principio fundamental que rege a criacao das Areas de Comercio Livre (FTAs), como propugna o Protocolo de Comercio da SADC, com vista a facilitacao do comercio e a livre circulacao de pessoas e bens entre paises, pois elas permitem a eliminacao de grande parte, senao de todas, essas barreiras tecnicas.


[**] Colocando-se aqui a Africa do Sul numa league of her own com o seu Trade Law Centre for Southern Africa (tralac), sediado em Stellenbosch e dirigido pela minha amiga Trudi Hartzenberg, que se tem vindo a afirmar nos ultimos anos como um importante viveiro de quadros regionais nessa area, sendo no entanto ainda bastante circunscrito 'as politicas comerciais da Africa do Sul e, por extensao, da SACU.


[***] Lembro-me, a este proposito, do sentimento, diria que de "humilhacao", com que vi, num dos workshops dos Customs Advisory Working Groups (CAWGs) a que aqui me refiro, ha' 10 anos, em Johannesburg, o "meu pais" representado por um cidadao Britanico, que assim se apresentou ao grupo: "I'm (so and so) and you can address any questions about Angola to me"...

Mas, a "representar" Angola estava tambem um cidadao Angolano, antigo funcionario das alfandegas - que certamente sabia muito mais sobre o funcionamento destas no pais e sobre Angola em geral do que o Britanico, mas... nao sabia Ingles! Nem o Britanico sabia Portugues! Nao vi qualquer interaccao ou dialogo entre eles durante ou depois das sessoes de trabalho. De facto, como varias vezes o tive que fazer em situacoes identicas, por moto proprio e "solidariedade nacional" (e pessoas como, por exemplo, o economista Alves da Rocha - que tive o prazer de conhecer em Johannesburg num workshop regional para a consolidacao e primeira apresentacao oficial do corrente Plano Indicativo Estrategico Regional da SADC e a quem daqui envio um cordial abraco -, sao disso testemunhas), fui eu que acabei por servir de tradutora/interprete para o Angolano... o "eterno" (inultrapassavel?) problema da lingua, pois sim. Mas o facto e' que os organizadores do workshop poderiam ter providenciado servicos de traducao/interpretacao ao(s) representante(s) de Angola se tal lhes tivesse sido solicitado com a devida antecedencia. So' que... quem 'mandava' (ainda 'manda'?) nas alfandegas de Angola era uma firma Britanica!...
E, entretanto, todos os outros paises da regiao estavam devidamente representados exclusivamente por cidadaos nacionais seus...

Mas nao se tratou ali apenas de uma questao 'emotiva' de "orgulho nacional ferido"; tratou-se, sobretudo, de uma questao com profundas e perversas implicacoes estruturais: aquela era uma plataforma para a obtencao de informacao e conhecimentos tecnicos e de interaccao entre os profissionais da regiao para a adopcao e implementacao de instrumentos comuns com vista a facilitacao do comercio entre os seus paises. Mas quem obteve e "acumulou" tal experiencia no caso de Angola?
O cidadao Britanico, a sua firma e o seu pais - ou seja, um dos "bichos papoes" da OMC?!


[images by Yinka Shonibare: 'HMS Victory in a bottle' and two versions of 'The Wonderer']





ADENDA


Apenas algumas linhas adicionais para "transportar" para o contexto regional (Rest of SADC vs. South Africa) as consideracoes feitas acima em relacao ao contexto global (SADC vs. Rest of the World):

Tal como a OMC, se entregue aos seus own devices, se pode comportar como um "bicho papao" em relacao aos PMD, no contexto regional esse "bicho papao" pode bem ser a Africa do Sul (AS) em relacao aos outros paises membros da SADC... se entregue aos seus own devices!

Vejamos: a AS e', indubitavelmente, o gigante continental (veja-se, por exemplo a sua posicao no Global Competitiveness Index aqui discutido em relacao aos outros paises da regiao e do continente - apenas seguida de perto pelas Mauricias; veja-se tambem a forma como cada vez mais a nivel global se vai aproximando do grupo dos BRIC - Brasil, Russia, India e China) e domina o comercio regional na Africa Austral.

Em resultado disso, como o demonstra amplamente a experiencia centenaria da SACU, a AS pode agir na regiao como a OMC age no mundo... but, again, apenas se entregue aos seus own devices!

A implicacao desse facto e' que ele torna o Protocolo de Comercio da SADC num instrumento crucial para a "subordinacao" das politicas comerciais e industriais tendencialmente hegemonicas da SA as disposicoes desse protocolo, que contempla o principio da geometria assimetrica no estabelecimento de uma FTA e, mais tarde de uma UA na regiao, e atraves do qual os outros paises membros da SADC podem exercer de forma concertada as accoes necessarias a salvaguarda dos seus interesses economicos nacionais, tal como o Global South o vem, slowly but surely, fazendo na OMC.





[Continuacao daqui]

Detenhamos-nos um pouco sobre a CNUCED. Esta organizacao, mais do que a OMC, ao contrario do que parece ser o entendimento de muitos, tem sido a maior promotora de iniciativas de desenvolvimento economico atraves do comercio regional e internacional, por intermedio do apoio tecnico e institucional que concede aos governos e organizacoes inter-governamentais que, como a SADC, perseguem esse objectivo. “Mais do que a OMC”, disse justamente: porque, tal como o FMI e o Banco Mundial o sao da economia monetaria e financeira internacional, a OMC e’ uma organizacao reguladora do comercio internacional, o que nao e’ estritamente a vocacao da CNUCED.

Detenhamo-nos tambem um pouco sobre a OMC. Esta organizacao, se entregue aos seus own devices pode, efectivamente, em certas circunstancias e contextos bem determinados e, especialmente naqueles em que os Paises Menos Desenvolvidos (PMD) se demonstram mais vulneraveis, agir como um “bicho papao”... e e’ precisamente por isso que varios projectos de apoio tecnico e de criacao e desenvolvimento de capacidade (capacity building) institucional, organizativa e de negociacao, em alguns dos quais estive envolvida, como aqui referi, se teem criado e se venhem tentando implementar na Africa Austral e noutras regioes do continente Africano e do chamado Global South (formerly better known as “Terceiro Mundo”).

Servem tais projectos, entre outros objectivos, justamente para fazerem os estudos de viabilidade tecnica, em particular das infrastructuras [*] existentes, ou a (re)construir e desenvolver, a par dos estudos de identificacao das vantagens absolutas e comparativas reais e potenciais, que sirvam de suporte a adopcao de politicas comerciais e industriais por parte dos paises abrangidos, que sejam adequadas nao apenas aos objectivos de desenvolvimento regional, mas tambem aos objectivos politico-economicos nacionais - como aqui o ilustro.

Mais servem esses projectos (... ou pelo menos aqueles em que estive envolvida...) para empreenderem o estudo dos quadros e instrumentos institucionais, legais, normativos e reguladores no dominio do comercio e da industria dos paises alvo e advogarem as necessarias medidas para o seu fortalecimento e adequacao as regulacoes da OMC la' onde elas sejam incontornaveis e ate' desejaveis para todos (caso dos standards sanitarios e fitosanitarios e de higiene alimentar, por exemplo, incidindo sobre os produtos de origem agricola, piscicola e pecuaria que constituem o grosso da producao e do comercio dos paises Africanos) e, tanto quanto possivel, submetendo-as aos seus proprios interesses nacionais, nos casos em que tais regulacoes se demonstrem apenas do interesse dos paises mais desenvolvidos - como aqui o ilustro.

E tais projectos destinam-se precisamente a criar um ambiente de proteccao desses paises e das suas politicas comerciais, industriais e economicas em geral das estrategias dos “bichos papoes” que dominam a OMC e que, tanto a nivel regional, como continental e internacional, tendem a constrangi-los e a submete-los aos seus ditames!

Seus ditames? Sim! Eles ditam, dominam e manipulam as "regras do jogo" do comercio internacional – nao e’ segredo nenhum para ninguem, dir-se-ha’ porventura... Mas, o que recolho das 'atoardas' com que nao raro me vejo bombardeada, e’ o que parece ser ainda desconhecido de muitos: nomeadamente, que todos os membros da ONU sao, ou podem ser, membros da OMC, tal como o sao, ou podem ser, do BM e do FMI e que o seu bargaining power nessas instituicoes, e na OMC mais do que nas outras, depende crucialmente das aliancas e coligacoes que entre si sejam capazes de forjar.

E essas aliancas, que se teem que fundar institucionalmente, em primeiro lugar, nas organizacoes regionais como a SADC, passam pela criacao de pelo menos tres pre-requisitos fundamentais: 1. vontade e determinacao politica; 2. capacidade tecnica; 3. capacidade negocial. E, sendo certo que a existencia de tais organizacoes e de instrumentos de politica como o Protocolo de Comercio da SADC de per se parecem indiciar a existencia do primeiro pre-requisito, ja’ os outros dois sao virtualmente inexistentes.




Por essa razao, varios grupos e sub-grupos de paises se teem organizado no seio da OMC e venhem forjando aliancas politico-reivindicativas cujo maior achievement ate’ ao momento foi a inclusao na agenda de Doha do objectivo “capacity building” para a obtencao do apoio por parte da propria OMC ao preenchimento dos pre-requisitos 2. e 3., sem o que o chamado Global South se reserva o direito de oferecer resistencia 'a implementacao das suas politicas e regulamentos, particularmente no sector dos servicos.

E apenas para ilustrar a importancia vital, premencia e urgencia do objectivo capacity building, referirei apenas este facto: na regiao da Africa Austral, no periodo, nao assim tao recuado, em que estive envolvida nesse tipo de projectos no terreno, contavam-se apenas, se tanto, cerca de meia duzia de profissionais nacionais dos paises membros da SADC [**] com alguma familiaridade quer com a teoria e a pratica da Economia e Comercio Internacional e da Integracao Economica Regional, quer com o funcionamento e estrategias negociais no quadro da OMC, sendo eu dentre eles - ... e, malgre' todas as maliciosas “reticencias” a minha nacionalidade com que la’ me vi confrontada por parte de alguns “representantes” do “meu pais” (como AQUI se pode constatar...), e nisso o meu amigo Angelo Mondlane , entao Chefe Economista da SADC e pessoa que muito estimo, que uma vez me disse "tu es a pessoa melhor qualificada que nos temos aqui", nao me deixara' mentir!... - [***] a unica com formacao academica especifica nessas areas, acrescida de especializacao na Historia Economica da regiao, obtida neste Departamento da LSE , no qual fui apenas a terceira Africana a ser admitida desde a sua fundacao! Os outros dois eram Eritreus. E fi-lo suportando os seus altos custos financeiros inteiramente por minha conta propria!...

Todos os outros eram nacionais de paises ocidentais, ou seja, dos tais "bichos papoes" da OMC! (... era um pouco sobre essa realidade que aqui trocava algumas ideias com alguns Africanos que "sabem do que falam") ... E por isso, em pelo menos duas ocasioes memoraveis me encontrei em rota de colisao e mesmo de ruptura com alguns deles directamente e, indirectamente, com as suas respectivas agencias de desenvolvimento - era dessas, entre outras situacoes, que se referia aqui alguem quando dizia "(...) She is also someone who stands firm in her beliefs and will speak her mind without fear" ... e era tambem disso que eu falava aqui, quando dizia que "e… por isso tenho pago (muito!) alto o preco!"...

E se essa e' a realidade na Africa Austral que, realisticamente falando, pode ser considerada "a mais desenvolvida" em termos de diversificacao economica e de fluxos/influxos comerciais e de recursos humanos e financeiros na Africa Sub-Sahariana, o que dizer das outras sub-regioes do continente?! ... E, a este respeito, nao sera' de todo inoportuno relembrar, nao sem uma certa amarga ironia, como, ainda muito recentemente, aqui se dizia que "... podemos importar, com facilidade, o “know-how” de África que nos falta"!...

Terminaria, portanto, com este 'statement' sobre o qual cada vez tenho menos duvidas: so' me parecem haver duas alternativas 'a OMC:

i) a sua extincao e o regresso ao 'unilateralismo' no comercio internacional, como aqui propunha o candidato (derrotado) a Presidencia dos EUA, Dennis Kucinich. Esta nao me parece, no entanto, ser uma opcao viavel, credivel nem recomendavel, por varias razoes, dentre as quais destacaria o inevitavel regresso ao 'mercantilismo puro e duro' ou, no limite, simplesmente a 'autarcia', pelo menos em alguns casos, sendo certo que estes se verificariam maioritariamente no Global South;

ii) um maior engajamento e compromisso dos paises do Global South nos processos de integracao economica regional, no fomento do comercio intra e inter-regional e na criacao e desenvolvimento das suas capacidades tecnicas e negociais a todos os niveis, por forma a servir-se efectivamente o objectivo ultimo de colocar o comercio internacional ao servico do desenvolvimento economico, social e humano, tanto em Africa como no resto do Global South e do mundo em geral.




[*] Sendo que as infrastruturas em questao no dominio do comercio internacional nao sao apenas as fisicas (estradas, pontes, linhas ferreas, portos, redes de telecomunicacoes, etc.), mas tambem, e sobretudo, as tecnicas. Isto porque e' consensual que as barreiras mais detrimentais a entrada nos mercados internacionais para os PMD sao as chamadas barreiras nao quantitativas, ou barreiras tecnicas ao comercio, que os paises mais fortes na OMC teem sido capazes de adoptar e implementar em seu favor atraves de instrumentos como as regras de origem, cumulacao, valor acrescentado e clausulas de salvaguarda, ou da estruturacao das pautas aduaneiras, apenas para citar as mais comuns.

Portanto, nao pretendendo de modo nenhum subestimar a importancia crucial das infrastruturas fisicas, o facto e' que por melhores que estas sejam, nao ha' comercio internacional que resista a tais barreiras tecnicas.

E e' este o principio fundamental que rege a criacao das Areas de Comercio Livre (FTAs), como propugna o Protocolo de Comercio da SADC, com vista a facilitacao do comercio e a livre circulacao de pessoas e bens entre paises, pois elas permitem a eliminacao de grande parte, senao de todas, essas barreiras tecnicas.


[**] Colocando-se aqui a Africa do Sul numa league of her own com o seu Trade Law Centre for Southern Africa (tralac), sediado em Stellenbosch e dirigido pela minha amiga Trudi Hartzenberg, que se tem vindo a afirmar nos ultimos anos como um importante viveiro de quadros regionais nessa area, sendo no entanto ainda bastante circunscrito 'as politicas comerciais da Africa do Sul e, por extensao, da SACU.


[***] Lembro-me, a este proposito, do sentimento, diria que de "humilhacao", com que vi, num dos workshops dos Customs Advisory Working Groups (CAWGs) a que aqui me refiro, ha' 10 anos, em Johannesburg, o "meu pais" representado por um cidadao Britanico, que assim se apresentou ao grupo: "I'm (so and so) and you can address any questions about Angola to me"...

Mas, a "representar" Angola estava tambem um cidadao Angolano, antigo funcionario das alfandegas - que certamente sabia muito mais sobre o funcionamento destas no pais e sobre Angola em geral do que o Britanico, mas... nao sabia Ingles! Nem o Britanico sabia Portugues! Nao vi qualquer interaccao ou dialogo entre eles durante ou depois das sessoes de trabalho. De facto, como varias vezes o tive que fazer em situacoes identicas, por moto proprio e "solidariedade nacional" (e pessoas como, por exemplo, o economista Alves da Rocha - que tive o prazer de conhecer em Johannesburg num workshop regional para a consolidacao e primeira apresentacao oficial do corrente Plano Indicativo Estrategico Regional da SADC e a quem daqui envio um cordial abraco -, sao disso testemunhas), fui eu que acabei por servir de tradutora/interprete para o Angolano... o "eterno" (inultrapassavel?) problema da lingua, pois sim. Mas o facto e' que os organizadores do workshop poderiam ter providenciado servicos de traducao/interpretacao ao(s) representante(s) de Angola se tal lhes tivesse sido solicitado com a devida antecedencia. So' que... quem 'mandava' (ainda 'manda'?) nas alfandegas de Angola era uma firma Britanica!...
E, entretanto, todos os outros paises da regiao estavam devidamente representados exclusivamente por cidadaos nacionais seus...

Mas nao se tratou ali apenas de uma questao 'emotiva' de "orgulho nacional ferido"; tratou-se, sobretudo, de uma questao com profundas e perversas implicacoes estruturais: aquela era uma plataforma para a obtencao de informacao e conhecimentos tecnicos e de interaccao entre os profissionais da regiao para a adopcao e implementacao de instrumentos comuns com vista a facilitacao do comercio entre os seus paises. Mas quem obteve e "acumulou" tal experiencia no caso de Angola?
O cidadao Britanico, a sua firma e o seu pais - ou seja, um dos "bichos papoes" da OMC?!


[images by Yinka Shonibare: 'HMS Victory in a bottle' and two versions of 'The Wonderer']





ADENDA


Apenas algumas linhas adicionais para "transportar" para o contexto regional (Rest of SADC vs. South Africa) as consideracoes feitas acima em relacao ao contexto global (SADC vs. Rest of the World):

Tal como a OMC, se entregue aos seus own devices, se pode comportar como um "bicho papao" em relacao aos PMD, no contexto regional esse "bicho papao" pode bem ser a Africa do Sul (AS) em relacao aos outros paises membros da SADC... se entregue aos seus own devices!

Vejamos: a AS e', indubitavelmente, o gigante continental (veja-se, por exemplo a sua posicao no Global Competitiveness Index aqui discutido em relacao aos outros paises da regiao e do continente - apenas seguida de perto pelas Mauricias; veja-se tambem a forma como cada vez mais a nivel global se vai aproximando do grupo dos BRIC - Brasil, Russia, India e China) e domina o comercio regional na Africa Austral.

Em resultado disso, como o demonstra amplamente a experiencia centenaria da SACU, a AS pode agir na regiao como a OMC age no mundo... but, again, apenas se entregue aos seus own devices!

A implicacao desse facto e' que ele torna o Protocolo de Comercio da SADC num instrumento crucial para a "subordinacao" das politicas comerciais e industriais tendencialmente hegemonicas da SA as disposicoes desse protocolo, que contempla o principio da geometria assimetrica no estabelecimento de uma FTA e, mais tarde de uma UA na regiao, e atraves do qual os outros paises membros da SADC podem exercer de forma concertada as accoes necessarias a salvaguarda dos seus interesses economicos nacionais, tal como o Global South o vem, slowly but surely, fazendo na OMC.

1 comment:

ECONOMISTA said...

Mais uma vez os meus parabéns pelo magnífico trabalho. Só é pena que alguns angolanos nessas organizações não se preocupem com mais nada senão pornografia!
Mas também o que seria de esperar com os “valores e princípios” em vigor no país?
Força irmã e muita coragem porque só assim como Mulher Angolana poderás ser respeitada e dignificada apesar de toda a lama com que te tentam sujar!
Um forte Abraço de um irmão que ainda não esqueceu os verdadeiros Valores e Princípios dos nossos Ancestrais!